terça-feira, 27 de janeiro de 2015

ARTIGO – Neoliberalismo na América Latina: um problema econômico e cultural

NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA LATINA: UM PROBLEMA ECONÔMICO E CULTURAL

Luiz Cláudio dos Anjos Fernandes ¹

Faculdade de Estudos Avançados do Pará

RESUMO: Este artigo propõe-se a discutir a proposta neoliberal para a América Latina, modelo que gerou dois grandes problemas para a região: econômicos e culturais. A América Latina acolheu o sistema e muitos sofrem até hoje as consequências disso. Contestando a proposta inadequada feita aos latinos, de um modelo não condizente com a realidade e a cultura local, Comblin (2000) ensina que uma ideologia não pode em hipótese alguma ser transferida de uma realidade para a outra.

Palavras-chave: Neoliberalismo; América Latina; economia; cultura.

ABSTRACT: This article proposes to discuss the proposal neoliberal for the Latin American, model which generated two major problems for the region: economic and cultural. Latin America has embraced the system and today many people suffer the consequences. Contesting the proposal
inadequate made to Latinos, a model that did not correspond with reality and local culture, Comblin (2000) teaches that an ideology can not under any circumstances be transferred from one reality to another.

Keywords: Neoliberalism; Latin America; economy, culture.

1-   Introdução

A América Latina vive uma dependência cultural pelo fato de ter perdido aos poucos suas essências culturais para os inseres oriundos de outros países através da abertura de mercado (proposta neoliberal), e pelo fato do seu povo querer se sentir como os outros povos (como os do Primeiro Mundo), renegando, assim, seus valores e supervalorizando o que é de fora.

Este trabalho reflete acerca dos malefícios do sistema neoliberal que encontrou na América Latina um terreno propicio “para experimentação”. Mostra que, apesar de todos os malefícios ocasionados à AL, os latinos acolheram a proposta neoliberal e muitos sofrem até hoje as consequências disso. A cultura regional favoreceu para que o sistema se consolidasse e a “empolgação” das elites locais influenciou para que o sistema desse certo.

Contestando a proposta inadequada feita à América Latina, de um modelo não condizente com a realidade e a cultura local, Comblin (2000) ensina que uma ideologia não pode em hipótese alguma ser transferida de uma realidade para a outra, visto que cada país tem a sua.

2-   Uma proposta para a América Latina

Como mostra Carta (2003), no ex-bloco soviético, de passado comunista, veio aumentando a pobreza e diminuindo a expectativa de vida, resultado dos malefícios da nova ordem que se propunha naquele momento. Com crescimento anual na casa dos 5,6%, a Polônia, porém, era a menina dos olhos de Jeffrey Sachs, o famoso economista neoliberal de Harvard, que recomendava há mais de uma década uma terapia de choque para os países pós-comunistas. Os países têm de “se adaptar ao capitalismo” e as dificuldades que atravessam são inegáveis. O autor mostra que, assim como há países que não gostariam de voltar à velha ordem, “[…] há manifestantes que passam a reivindicar ao verem as coisas que antes eram do governo começarem a ser privatizadas. Países como a Ucrânia, porém, passam a mostrar nas urnas que não querem um governante com propostas de reaproximação com a Rússia e a Bielorrússia”. (CARTA, 2003, pg. 171).

Segundo Comblin (2000), no inicio dos anos 90, os economistas latino-americanos da nova geração saudaram o advento de governos liberais na América latina inteira. O modelo era tido como a saída da dependência e do Terceiro Mundo, ou seja, o neoliberalismo seria a libertação dos pobres maltratados pela economia da Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL).

O presidente Collor foi um dos que prometia um futuro glorioso, mas alguns anos depois, o sociólogo latino-americano Oswaldo Sunkel escreve dizendo que na conferência do Banco interamericano (1997), a tônica era de que se estava vivendo um grande fracasso. As políticas neoliberais não estavam dando êxito, ou seja, estavam fortemente desafiadas pela realidade.

Assaltados pelas dúvidas, os governos não se atreveram mudar porque o modelo reforçou a dependência. Comblin diz que eles estavam se entregando a poderes mais fortes do que eles. Para Comblin, devido às características da história, da cultura e da estrutura social latino-americana, o neoliberalismo encontrou na América latina um terreno acolhedor. O autor diz que ele surgiu não contra a sociedade socialista ou comunista como no centro, mas contra o modelo da CEPAL. O autor também lembra que o neoliberalismo foi recebido na América Latina, num mundo dependente não somente economicamente, mas também e talvez, sobretudo, culturalmente.

Comblin diz que se tornou uma obsessão das elites da América Latina a reprodução do perfil dos países que se auto-intitulam desenvolvidos. Ele cita Celso Furtado, o qual diz que essa é a característica dos que pertencem à elite. Comblin aponta, porém, uma defasagem entre os desejos das elites e a capacidade tecnológica do país, e de acordo com ele, só há dois caminhos: ou desenvolver a tecnologia própria com recursos próprios e com a formação de tecnologias nacionais, ou importar tecnologias, importar os bens e serviços que a nação ainda não pode fornecer. Ele diz que países como Japão, Coréia, Taiwan, e outros países asiáticos, escolheram o primeiro caminho e saíram do subdesenvolvimento. A América Latina, porém, escolheu o caminho da importação e do apelo às multinacionais para importar bens e tecnologias.

As elites da América Latina querem todo o consumo do Primeiro Mundo. Os recursos nacionais necessários para o desenvolvimento foram desviados à importação do consumo de luxo para os privilegiados. Comblin (2000) mostra que além de quererem consumir, as elites locais não querem pagar. Ou seja, cheias de consciência aristocrática herdada dos colonizadores, acham natural que os impostos sejam pagos pelos pobres. O autor relaciona certas atitudes dessas elites a um problema cultural. Para ele, as elites latino-americanas sentem-se ocidentais e podem até venerar os antigos heróis negros, índios, mas não se identificam de modo algum com os negros e os índios da atualidade. São brancos, querem ser brancos e querem um modo de viver branco com todas as mordomias. “Com essas condições, a ideologia neoliberal que triunfou nos Estados Unidos e na Inglaterra na década de 80 foi recebida com entusiasmo, como o mais novo dos produtos culturais, a última moda do Primeiro Mundo”. (COMBLIN, 2000, pg. 53).

Para os neoliberais o modelo da CEPAL foi um fracasso completo e a causa da permanência do subdesenvolvimento na América Latina. O modelo da CEPAL, adotado na América Latina na década de 50, foi, segundo eles, o modelo econômico que levou praticamente à ruína. Para outros economistas, porém, a industrialização pela substituição de importações mudou a face da América Latina.

Celso Furtado explica que, o que veio a chamar-se desenvolvimento econômico, no Brasil, traduz a expansão de um mercado interno que se revelou com enorme potencialidade. Segundo Celso (apud COMBLIN, 2000, pg. 54), longe de ser simples continuação da economia primário-exportadora que se herdou da era colonial (compreendida por núcleos regionais autônomos), a industrialização “assumiu a forma de construção de um sistema econômico com considerável autonomia no que respeita à formação de poupança e a geração de demanda efetiva”.

O modelo CEPAL envolvia três princípios: independência econômica, soberania política e justiça social. A emancipação exigia a transformação do modelo anterior, no qual o centro da economia era o comércio exterior, importações e exportações. Isso tornava os países muito dependentes do mercado mundial, ou seja, dos outros países. A emancipação se fez pela industrialização, ou seja, passou-se a produzir no país em vez de importar. Esse processo começou durante a Segunda Guerra Mundial, em virtude da redução do comércio internacional, mas se tornou uma política clara nos anos 50.

Alguns países entraram em processo de industrialização mais avançada, como o Brasil e o México. Na década de 70 esse modelo começou a mostrar dificuldades. Fatores como a baixa nas produções, a crise do petróleo e abundância de petrodólares no mercado internacional começaram a influenciar. O fato de certos países terem recorrido ao capital externo acarretou a divida externa. Em vez de estimular-se a poupança interna, recorreu-se ao capital estrangeiro e em lugar de criar-se tecnologias próprias, fez-se apelo às multinacionais. A América Latina voltou á dependência exterior. Os países asiáticos, porém, em semelhante desafio, fizeram a opção contrária: usaram a poupança interna e a tecnologia própria.

O político brasileiro, economista e professor universitário Cristovam Buarque identifica as 10 causas pelas quais o desenvolvimento não deu os resultados esperados. Em todos os argumentos dele, identifica-se a explicação de que procurou-se mudar a economia sem mudar a estrutura social do país, ou seja, manteu-se no poder as classes sociais ligadas ao modelo anterior (exportador/ importador).

Em seu primeiro argumento, Cristovam diz que proporcionou-se a industrialização sem mudar a situação no campo e sem fazer uma reforma agrária. Isso gera, segundo ele, a classe camponesa sem terra, que vive do sistema de subsistência, chegando a fugir para a cidade sem estar preparada para o meio urbano. Ao mesmo tempo, gera-se a classe dos “donos da terra”.

Outro argumento é o de que importou-se técnicas não apropriadas, ou seja, em vez de recorrerem aos recursos locais, introduziram técnicas mais caras, como o transporte por estradas, mais caro do ponto de vista da construção, manutenção e consumo de energia. Além disso, ocorreu a introdução de máquinas que dispensam a mão-de-obra que por ventura sobra.

Outro ponto é a utilização da ditadura como instrumento de manutenção da estrutura social arcaica. Ele também mostra que todas as políticas levaram à concentração de renda, ou seja, não foi possível chegar a uma redistribuição da renda nacional, ocasionando, assim, a distância entre ricos e pobres. Além disso, Cristovam identifica a recorrência ao capital externo, o que consequentemente gerou dívida externa, impagável em virtude de juros. Voltou-se ao mercado externo, esquecendo-se de produzir mais para o interno. Isso dificulta, segundo ele, as reformas sociais e só uma minoria tem acesso ao mercado. Ele lembra que deu-se prioridade à infra estrutura econômica em detrimento da infra estrutura social.

Isso fez com que permanecesse o corporativismo tradicional. O estado permaneceu clientelista por causa da persistência das aristocracias tradicionais. Ele não esquece de frisar também que o imaginário é importado do Primeiro Mundo, logo, valoriza o consumo, o mercado e a alienação cultural. Por fim, no décimo e último argumento, Cristovam ressalta que pretendeu-se criar uma democracia sem reformas sociais. Dessa maneira, o sistema democrático foi manipulado pelas classes privilegiadas que o usam para manter os seus privilégios tradicionais.

3-   O neoliberalismo na prática

No documento chamado “El ladrillo” (O Tijolo), elaborado por estudantes de economia (“Chicago Boys”), estava contida toda a doutrina política destinada a ser aplicada pouco a pouco em todos os países latino-americanos, salvo Cuba. Ele levantava-se contra o grande poder econômico acumulado pelo Estado e pelas estatais. Acusava também o protecionismo industrial excessivo para incentivar a substituição de importações, o que levou a uma concentração dos recursos produtivos a serviço de restritos mercados internos. Desta maneira, a indústria nunca poderia desenvolver-se, dando o volume reduzido do mercado.

Comblin mostra que o excessivo poder econômico do Estado fez com que o êxito econômico das atividades produtivas dependesse, sobretudo, dos padrinhos políticos que concedem isenções tributárias, isenções de taxas de importação ou exportação, permitem ou proíbem a importação de substitutos, dá preços rentáveis, aprovam ou não empréstimos. Pouco importa a rentabilidade da empresa.

A inflação, também, foi característica dos países latino-americanos e foi o fruto de políticas sociais para elevar o nível de vida dos pobres, masem vão. Odocumento também pretendia, através do câmbio baixo, favorecer a importação dos bens comerciais, sobretudo alimentos. Assim, a taxas altas de importação favoreceriam a produção de bens suntuosos e prescindíveis, então a economia produziria bens de luxo e importaria bens necessários.

O programa dos estudantes de economia consistiu em fazer exatamente o contrário do modelo implantado durante as gerações anteriores. Como alunos fanáticos dos mestres de Chicago, os economistas neoliberais rejeitaram tudo o que foi feito antes deles. No Chile, Pinochet os ajudou a implantar o modelo, apesar do protesto da população. Em seguida, os presidentes da Argentina, do México, do Perú e da América Central passaram a impor o modelo. No Brasil, porém, houve uma certa oposição porque a substituição de importações tinha criado já um desenvolvimento nacional importante e o aparelho do estado era forte. Apesar dessa resistência, o avanço do processo parece inevitável.

No processo de troca do eixo da economia, em vez de escolher o mercado interno como referência principal, escolhe-se o mercado externo. Em lugar de trabalhar para o mercado interno, trata-se agora de trabalhar para a exportação. Isso exige que se suprima as barreiras para as importações, que se estimule as exportações e que se abra o país para o capital externo, com o objetivo de entrar no mercado mundial. O país que não entra no mercado mundial perde a chance de entrar no desenvolvimento.

Comblin lembra que para entrar no mercado mundial, precisa ser competitivo, e que, milhares de empresas desapareceram porque não puderam competir com os produtos dos países mais ricos, mais baratos e melhores. Ele também mostra que para ser competitivo, é preciso desenvolver os setores em que o país tem vantagens competitivas, além de integrar mais tecnologia. “Se não se cria tecnologia, é preciso importá-la. Na prática, os países latino-americanos preferiram importar tecnologia abrindo as portas e oferecendo vantagens ás multinacionais” (COMBLIN, 2000, pg. 59).

Aos poucos, perde-se a ideia de nacionalismo econômico e as multinacionais passaram a ocupar um lugar predominante na economia nacional. Em lugar de buscar mais capitais internos, é mais fácil abrir-se para capitais externos. “As bolsas de valores tornam-se os santuários da nova economia e as informações por TV têm por objeto central o desempenho das bolsas de valores” (COMBLIN, 2000, pg. 60).

Agora, o capital externo toma conta das antigas empresas públicas, compradas principalmente por grupos estrangeiros. As multinacionais são chamadas a assumirem as empresas estatais, pois declara-se que o Estado é incompetente para administrá-las. O fato de a economia estar nas mãos de pessoas estrangeiras não incomoda os neoliberais.

Para que o mercado penetre perfeitamente no país, o Estado deixa o mercado livre, passando a definir preços e salários. Sem intervir, o Estado torna-se “fraco”, sem poder fazer qualquer intervenção econômica. Os impostos das empresas e dos ricos são drasticamente reduzidos, visto que os nababos têm grandes possibilidades de acumular capitais e contribuir com o desenvolvimento nacional. Comblin explica, porém, que pouco interessados no seu próprio país, os ricos latino-americanos levam os capitais para fora do país, contribuindo com o desenvolvimento dos países ricos.

O Estado fraco reduz os gastos sociais. “As aposentadorias, os serviços de saúde, a educação, a previdência social em geral, precisam ser assumidas por empresas particulares […]” (COMBLIN, 2000, pg. 61). Ele cita o exemplo do Chile, onde o setor privado já assumiu grande parte dos serviços sociais, imitando os Estados Unidos, abandonando o estado de Bem-estar social inspirado no modelo social-democrata da Europa. Foi o país que levou mais longe o princípio de privatização das empresas estatais. Postula-se a partir de então, que o mercado é quem acaba com as injustiças e a pobreza, já que os pobres deixam de ser pobres graças ao “milagre” do mercado.

Segundo Comblin, o apelo ao capital estrangeiro exige uma moeda forte e estável. Por isso, a luta contra a inflação passa a ser a prioridade e a moeda renovada o fetiche do sistema. Tudo passa a ser feito para manter o valor da moeda até o ponto de ligar a moeda nacional ao dólar, como na Argentina. No Chile, o modelo introduzido em 1975 entrou numa crise profunda em 1981. Em 1994 houve o desastre do México e os Estados Unidos salvaram o país injetando 20 bilhões de dólares. Segundo Comblin (2000), em 1998 foi o ano do grande susto. Muitos temeram que o Brasil sucumbisse ao mesmo desastre em que caíram os países do Sudeste Asiático e a Rússia, pois se o Brasil caísse, o resto dos países da América do Sul também iriam cair. Com a ajuda de 20 bilhões dos Estados Unidos, juntou-se 41 bilhões, e o Brasil aumentou dramaticamente a sua dívida ao ponto de não conseguir se salvar.

Para Comblin,

Na América Latina a palavra modernização tem uma ressonância particular […]. Os latino-americanos sofrem porque querem ser ocidentais, de Primeiro Mundo, e não o são. Sofrem porque não são nações brancas. Quando exaltam a mestiçagem ou glorificam os heróis negros ou índios, trata-se de uma compensação que esconde o mesmo sentimento. Daí a passagem tão rápida do ufanismo integral para a depressão. Da afirmação da especificidade para a vergonha de sua inferioridade. Então a modernização seria, por fim, sair da condição de inferioridade. Ser moderno é ser semelhante ao Primeiro Mundo (Comblin, 2000, pg. 63).

O autor frisa que “as elites querem o moderno já e todo o moderno. Não têm nenhum gosto pela paciente pesquisa cientifica em vista de uma autonomia na produção, da criatividade na formação de uma produção adaptada às condições físicas e sociais do país” (COMBLIM, 2000, pg. 63). As elites querem os efeitos da modernização mais do que a própria modernização. Comblin (2000) critica o modelo neoliberal dizendo que ele não trás a verdadeira modernidade, mas os frutos dela: bens e serviços, tecnologia já aplicada. Não pode trazer, entretanto, uma juventude dedicada á pesquisa científica, à experimentação tecnológica ou à criação de novos modos de produção. Para o autor, uma verdadeira modernização deve começar pela superação da separação social entre ricos e pobres.

Ele vai mais a fundo: diz que “a modernização social somente pode partir de uma modernização política” (COMBLIN, 2000, pg. 64). Para ele, a política neoliberal tende a enfraquecer o Estado, já fraco face á classe dirigente. Para manter o seu domínio nos casos extremos, as classes dirigentes apelam para as forças armadas e instalam uma ditadura militar. Já em casos de menor urgência, as classes dirigentes preferem um estado paternalista e clientelista. O Estado mostra-se a serviço de interesses particulares e não a serviço de um bem comum.

“A verdadeira modernização consistiria em criar um Estado forte e independente, suficientemente forte para impor a aplicação das leis e fazer as leis para todos” (COMBLIN, 2000, pg. 65). O programa neoliberal consiste, porém, em enfraquecer o Estado. Nos últimos 20 anos a industria dispensou um terço da mão-de-obra apesar de produzir mais que o dobro. Tal episódio passou a ocorrer porque imediatamente as ações dessas empresas passaram a subir nas bolsas de valores. Menos dinheiro vai para os trabalhadores e mais dinheiro para o capital. Isso tem gerado o mercado informal. A cocaína e a maconha acabaram servindo de sustento a milhares de famílias humildes e de fortuna para magnatas acolhidos com fervor na alta sociedade.

Tudo isso ocorre porque, segundo o autor, a modernização gera a exclusão. Os excluídos só sobrevivem porque se incluem na sociedade paralela, classificadas por ele como a sociedade dos pobres. Segundo ele “há dois mercados: o formal, do qual se diz que doravante é global, e o da pipoca e do picolé, que não é global, pelo menos até agora, até que uma multinacional queira globalizar o picolé como já globalizou o sorvete” (COMBLIN, 2000, pg. 66).

Comblin (2000) diz que a América Latina caiu no conto da globalização. Para ele, mais do que outras regiões do mundo a América Latina acreditou nesse fenômeno. Segundo o mito da globalização, explica o autor, todos os homens seriam vendedores e compradores no único mercado mundial. Através de um só mercado mundial, as nações deixariam de ter significado para a economia porque de todas as regiões do mundo viriam todos os produtos de qualquer procedência.

O autor explica que empresas genuinamente transnacionais são raras, ou seja, as multinacionais têm uma base nacional muito grande e, comercializam em grande parte no seu país de origem, ainda que ás vezes possam fazer mais lucros no estrangeiro, nas filiais situadas foras do país de origem. Elas constituem, portanto, um elemento de uma política econômica do país de origem. Tanto que o autor confirma que a transferência de capitais ocorre dos países pobres para os países ricos, sendo fraco o movimento inverso.

Os grandes fluxos do comercio estão concentrados, de acordo com o autor, na tríade Europa, Japão e América do Norte. Esses países têm, portanto, poder de influir nos mercados, exercer o controle e reservar-lhes posição privilegiada. O Terceiro Mundo não pode crer, portanto, que poderá colocar todos os seus produtos em um mercado mundial aberto, visto que as potências econômicas impõem barreiras à livre circulação. Comblin (2000) diz que no Terceiro Mundo, globalização significa dependência, pois nunca esses países irão dominar o mercado. Vai mais afundo ao dizer que a globalização é um mito que serve para esconder os jogos de poder nos intercâmbios internacionais.

Para o autor, a América Latina não enfrenta o mercado global com as mesmas armas: entra com o peso da dívida externa. Para poderem adiar o pagamento dos juros ou amortizar a divida, os Estados devem negociar com o FMI, tido como intermediário de fato entre os devedores e os países que cobram, ou o sistema bancário. Os Estados acabam contratando novas dívidas para pagarem o que deviam. O FMI, por sua vez, concede dinheiro, mas com condições. Obriga os governos a entrarem no consenso de Washington, ou seja, o conjunto de medidas neoliberais que facilitam a entrada do capital externo nos países implicados.

Além disso, o autor lembra que o FMI dita a cada governo o orçamento que deve aplicar. Devem adotar o programa de equilíbrio financeiro, manter o valor da moeda e oferecer aos estrangeiros os mesmos direitos que são dos nacionais. Os países diminuem, portanto, os gastos sociais para se chegar ao equilíbrio do orçamento do Estado. Diminuem os investimentos em educação, saúde, saneamento básico, entre outros. Para Comblin (2000), a divida externa tira a liberdade do Estado e o obriga a praticar uma política anti-social.

Comblin (2000) faz um questionamento acerca do motivo pelo qual os pobres apoiam até agora os governos neoliberais. Ele diz que esses governos recebem mais apoio nas massas populares excluídas do que na classe média e, sobretudo nas classes letradas que passaram pela Universidade. Um dos primeiros motivos apontados pelo autor é o fato de que em muitos países os governos neoliberais assumiram o mando depois de fracassos de governos populistas que levaram a uma inflação altíssima e a perturbações econômicas. Ele cita os casos do Perú, da Argentina, do Brasil e do Chile. O segundo motivo é o fato de que na América Latina as expectativas populares são fracas. O povo dos pobres não espera nem exige muito das autoridades.

Para o autor, o Estado de Bem-estar nunca foi completo. Esse povo não espera que o governo lhe dê emprego, mas todo emprego que se apresenta é tido por grande benefício e privilégio e o político que arranja um emprego é tido como benfeitor, não como pessoa que cumpre o seu dever. Por fim, uma terceira razão é a influência da propaganda. A mídia realiza um trabalho de bombardeio incessante. De acordo com o autor, a propaganda nunca discute argumentos, mas apenas repete sem cessar as mesmas fórmulas.

Comblin (2000) mostra que somente os países que não quiseram adotar o modelo, Índia ou China, por exemplo, salvaram-se da crise. Em 1999 o Brasil caiu, assim como o México em 1994 e a Rússia em 1998. Comblin recorda que em 15 dias o real perdeu 70% do seu valor. Alguns economistas começaram a ficar preocupados, outros dotados de mais teimosia, continuaram afirmando que a solução seria a aplicação das regras de forma mais rígida.

O autor mostra que a América Latina industrializou-se graças a governos populistas e nacionalistas que tomaram a iniciativa, forneceram os capitais e protegeram contra a invasão das empresas estrangeiras, seguindo as lições da CEPAL, hoje tão criticada. Ele cita o exemplo do Japão que, se tivesse recorrido a empresas estrangeiras, nunca teria sido potência econômica. Da mesma forma os tigres asiáticos e a segunda geração de felinos, Indonésia, Coréia, Tailândia e Malásia, entraram na via do desenvolvimento por si mesmos. Quando se abriram para o mercado mundial, veio o desastre.

Comblin diz que os economistas sempre ensinaram que não se pode transferir de uma nação para a outra o modelo de desenvolvimento, pois cada país tem a sua cultura, o seu modo de viver, seu tipo de relações sociais e, sobretudo, uma história única. Ele ressalta que as mesmas causas produzem efeitos diferentes de acordo com a história de cada país, assim, o que é bom para os dominadores não será bom necessariamente para os dominados.

4-   Neoliberalismo: uma proposta de nova cultura para a América Latina?

O efeito mais significativo é o aumento da desigualdade. Ela manifesta-se, por exemplo, na distância entre as rendas dos mais ricos e dos mais pobres. O autor diz que nos últimos 20 anos, os salários dos trabalhadores aumentaram sempre menos do que o produto nacional bruto e que o aumento da produtividade não vai para os trabalhadores. Além disso, os ricos não pagam impostos. Ele chega a dizer que na Argentina, somente 17% das famílias ricas pagam impostos. Para ele, a decadência dos sindicatos é a razão de ricos tornarem-se cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Como o mercado tende à desigualdade, se a força organizada dos trabalhadores não pressionar, a economia segue o seu caminho espontâneo.

Ele lembra as desigualdades a nível internacional. Diz que as três pessoas mais ricas dos Estados Unidos possuem mais do que os produtos nacionais brutos de 48 nações juntas, as mais pobres da terra. Em 1960, os 20% mais ricos da população mundial ganhavam 20 vezes mais do que os 20% mais pobres. Hoje em dia, ganham 82 vezes mais. Para o autor, nos processos de redemocratização da década de 80, as novas constituições inspiradas no neoliberalismo impediram que as massas populares pudessem influir de modo significativo nas decisões políticas.

Comblin (2000) diz que sempre há muito mais desempregados do que figura nas cifras das autoridades. Para ele, as estatísticas são enganosas e ocultam parte da realidade. Ele cita o caso dos jovens que nunca estiveram recenseados como trabalhadores, logo, tampouco estão nas estatísticas dos desempregados. Desde a instalação do programa neoliberal, o desemprego passou a aumentar. Uma das causas é a competitividade. De acordo com Comblin (2000), as razões econômicas prevalecem e as razões sociais desaparecem, logo, no mercado aberto as empresas se tornam competitivas e substituem a mão-de-obra por máquinas.

Estimuladas pela competitividade, muitas empresas deslocam-se para países que oferecem melhores condições e produzem aí as peças que estão precisando. O trabalho nos países subdesenvolvidos, recorda, é muito mais barato. A classe dos excluídos cresce e já não participam mais da vida social. Muitas das vezes tornam-se violentos ou cedem aos vícios. O autor diz que não é a toa que as drogas são o sinal mais evidente da presença de uma sociedade neoliberal.

O mesmo autor fala que o desemprego faz a fortuna da empresa, visto que cada vez que uma empresa despede operários, as ações sobem na bolsa de valores. Ou seja, para o sistema financeiro, o desemprego é boa coisa, motivo de alegria.

Cada vez que se realiza uma privatização de empresa pública, o mercado triunfa e a bolsa de valores reage com entusiasmo. Porquê? Porque sabem que imediatamente depois da privatização a empresa vai despedir um terço ou a metade dos trabalhadores. Ao privatizar, o Estado trai sua missão ética, que é a de proteger os direitos dos pobres. A razão de ser do poder político é a defesa dos fracos. A privatização é traição pelas elites, diante das forças econômicas que querem acumular mais capital com detrimento dos trabalhadores que não têm outro recurso a não ser o seu trabalho. (COMBLIN, 2000, pg. 110).

Depois do New Deal, do Estado europeu de Bem-estar e das imitações mais ou menos importantes na América Latina, os trabalhadores são remunerados na forma de serviços sociais. Comblin (2000) diz que às vezes, a metade da remuneração efetua-se na forma de serviço social: aposentadoria, gratuidade de serviços de saúde, educação, seguro-desemprego, ajudas às categorias mais abandonadas – mães solteiras, inválidos, acidentados, aleijados. O Estado passa a intervir somente na forma assistencial, e passa a ideia de que é uma concessão benévola do Estado, não um direito do trabalhador.

Ainda de acordo com Comblin (2000), em nome da ciência econômica, a democracia é substituída pela ditadura dos economistas. O poder absoluto foi entregue aos ministros da fazenda. Para os economistas, o que importa é o bom funcionamento do sistema. O que acontece com os homens e as mulheres, não é problema econômico: não lhes diz respeito. O autor diz que, segundo Spencer, os mais fracos devem desaparecer e o capitalismo é justamente o mecanismo que suprime os fracos e seleciona os fortes.

O autor diz que todos reconhecem que há relações entre economia e cultura. Ele destaca a relação entre economia neoliberal e cultura de massa no mundo ocidental. Afirma que a economia neoliberal tende a desvalorizar os dois valores básicos da modernidade: o trabalho e o Estado.

A importância do trabalho na produção diminuiu e agora mais importantes são o saber tecnológico e as máquinas, por um lado, e o capital, por outro lado: a parte do trabalho no preço final do produto é mínima. Além disso, o trabalho deixou de ser a principal fonte de riqueza. Agora, a principal fonte é a especulação financeira, ou seja, já não é na fábrica que se produz mais riqueza e, sim, nas bolsas de valores.

O segundo valor moderno, o Estado, segue com o prestígio apagado. Querem um Estado fraco. Tendo poucos recursos, o Estado não pode enxergar obras de longo alcance. Porém, quando as empresas dos ricos entram em falência, o estado paga, ou seja, obriga os cidadãos pobres ou de classe média a pagarem.

5-   Consequências culturais do modelo neoliberalista

Segundo Comblin (2000) a nova cultura é o mercado: a cultura consiste em comprar e consumir e o trabalho intelectual consiste em avaliar tudo o que se pode comprar com determinada quantia de dinheiro. Ele diz que o dinheiro passou a fixar o valor de cada elemento cultural, ou seja, o que não rende e o que não vale:

O sentido da arte é: quanto vale este quadro? O sentido da música: quantos CDs foram vendidos? O sentido de uma invenção científica: quantos milhões de dólares serão economizados? O valor da natureza: quantos turistas visitarão o lugar e quantos dólares cada um vai gastar? O esporte: quantas entradas foram vendidas? Quanto vai ganhar cada jogador? […] (COMBLIN, 2000, pg. 114).

O autor também mostra que a indústria da comunicação está disposta a render lucros para os sistemas financeiros. Ele diz que o fato de esses meios de informação acharem que devem divulgar o maior número possível de informações relacionadas a valores de ações, cotizações dos papéis financeiros, entre outras, é como um ritual.

O autor finaliza a reflexão acerca das consequências culturais do modelo neoliberalista dizendo que na cultura que está sendo universalizada, tudo gira ao redor dos preços das coisas. Ele diz que as crianças aprendem cedo graças ao computador qual é o preço de todas as coisas em todos os mercados do mundo.

Conforme o mesmo autor, o neoconservadorismo latino-americano é também retorno ao passado. Se o neoconservadorismo nos Estados Unidos parte da nostalgia da época puritana e queria ressuscitar a cultura do tempo dos puritanos com os valores morais e espirituais daquele tempo, os latino-americanos idealizam o barroco. O autor diz que, na verdade, os dois buscam as suas normas culturais no século XVII. Ele vai além e diz que para os conservadores, o barroco latino-americano seria o resultado da fusão entre as três heranças: ibérica, índia e africana. O barroco colonial teria sido como a síntese harmoniosa. Teria nascido uma cultura plurivalente que seria ainda hoje a base do etos cultural latino-americano e o ponto de partida necessário de qualquer projeto consistente para o futuro. A modernidade, porém, teria sido um desvio, uma invasão intrusa de valores e estruturas estranhas, ou seja, ela tende a destruir a harmonia atingida pelo barroco. Comblin (2000) defende a ideia de que a modernidade seria alheia à cultura própria dos povos latino-americanos e explica que “o centro e a alma da cultura barroca foi a igreja católica com a multiplicidade das suas expressões sociais”.

Os defensores mais fanáticos do neoliberalismo afirmam que é o único sistema que funciona e capaz de gerar cada vez mais riquezas. Em 1989 dizia-se que o socialismo não teria mais futuro. Segundo ele, a maioria dos autores reconheceu a eficiência do capitalismo, mesmo na sua forma neoliberal, visto que o sistema mostou-se capaz de criar um crescimento da riqueza. Outros permanecem, porém, fieis á profecia de Marx. Das vezes que se ouviu o anúncio do fim do capitalismo, o modelo econômico se salvou de todas as suas crises. “Isto não quer dizer que o capitalismo se salva por si mesmo. Quando leva a situações insuportáveis, os poderes políticos intervêm e o capitalismo recomeça” (COMBLIN, 2000, pg. 115).

Segundo o autor, “o neoliberalismo funciona, mas com resultados terríveis nos países de Terceiro Mundo. Em todos os países em que experimentaram o sistema, uma pequena elite foi promovida a tal ponto que o seu entusiasmo supera as ilusões do primeiro Mundo” (COMBLIN, 2000, pg. 116). Para o autor, a elite crê que já se acha no Primeiro Mundo, porque goza de todas as suas vantagens. Ele diz que a nível internacional, o sistema neoliberal funciona, porém com o preço do distanciamento entre países ricos e países pobres. Diz ainda que os ricos nunca fariam experiências com outros sistemas, pois em outros modelos é pouco provável que as elites possam receber tantas vantagens como na sociedade neoliberal.

Para o autor, os mais entusiasmados neoliberais falam, sobretudo na América latina, da globalização como se o mercado fosse doravante global e não houvesse mais diferença entre mercado interno e externo. A globalização seria o efeito dos progressos tecnológicos. As novas tecnologias exigiriam capitais tão importantes e mercados tão extensos que somente a participação mundial no capital e a penetração no mercado mundial tornariam as empresas viáveis. Para garantir a livre circulação dos capitais e dos bens e serviços, somente o neoliberalismo resolve, pois a globalização exige a supressão das fronteiras nacionais e da intervenção dos Estados.

Comblin (2000) relaciona a globalização a uma nova forma de imperialismo. Ele diz que a direção, a tecnologia, o planejamento, isto é, as decisões importantes não são globalizadas. Tudo o que é importante fica no país onde nasceu e o lucro converge também para esse país. Para o autor, é motivo de alegria que a globalização ainda não seja um fato consumado, porque, segundo ele, seria a integração total da humanidade sob um Império.

A mais forte critica dirige-se na atualidade contra a globalização financeira, que era justamente aquela da qual os economistas tinham mais orgulho. Comblin (2000) lembra uma consequência mundial, a extrema vulnerabilidade aos movimentos de capitais nas nações. Os povos, porém, não se dão conta do que está acontecendo porque a mídia sempre alimenta o otimismo: os economistas acharam a solução, já tudo está melhorando. Enquanto Isso, alerta o autor, a especulação acumula riquezas imensas em mãos de poucos.

O autor lembra que o dinheiro dos ricos não se dedica ao investimento. Bancos e empresas investem com o dinheiro dos pobres (fundos de pensão, seguros,…). Já os ricos se dedicam à especulação ou ao consumo de luxo. Para o autor, na última década, tudo sucedeu como se os pobres fossem o maior obstáculo ao desenvolvimento. Surgiu então, segundo ele, um Estado assistencial. Esse mesmo autor cita as palavras do Papa João Paulo II, o qual dizia que o perigo do capitalismo e do socialismo seria o dogmatismo de ambos, pensando que se pode resolver problemas econômicos e sociais a partir de ideologias. Veementemente ele afirma: “o sistema atual é injusto: não pratica a justiça para com os pobres, tanto a nível nacional, como internacional” (COMBLIN, 2000, pg. 125).

O autor critica os fundamentos da ideologia neoliberal ou capitalista. O primeiro deles é a utopia da igualdade das partes no mercado. Ele explica que no mercado ninguém é forçado, mas cada um vende ou compra porque quer. Questiona a ideia de harmonia espontânea entre compradores e vendedores porque cada um comprou e vendeu no preço que lhe satisfaz. Prega-se que, com essa satisfação universal, a atividade econômica vai progredir e, por isso não cabe colocar obstáculos nas livres transações. Ele diz que o mundo real nunca é o que diz a utopia e que os indivíduos nunca são iguais no mercado. Ressalta que muitas vezes a única coisa que o pobre pode oferecer é o trabalho e que ocorre de os compradores oferecerem o menor preço pelo trabalho. Para o autor, se não houver organização dos trabalhadores e intervenção do Estado para determinar condições humanas, os trabalhadores serão explorados.

Outro fundamento criticado por Comblin (2000) é o que diz que no mercado a soma dos egoísmos produz solidariedade, espírito comunitário, e ajuda mútua. Que o individualismo mais radical produz a comunidade perfeita entre iguais e que o egoísmo produz amor. Milagre do mercado. Contrário a essa ideia, esse autor explica que no mercado o egoísmo produz exploração e nunca solidariedade. A economia, diz ele, deixa de ser a resposta às necessidades das pessoas e passa a ser uma luta para ser vencedor no mercado mundial, onde são vencedores os que correm mais depressa.

O Papa João Paulo II citou as estruturas do pecado e duas atitudes que, segundo ele, estão na raiz das estruturas: a avidez exclusiva de lucros e a sede de poder. Segundo o Papa, essas atitudes qualificam a sociedade contemporânea e se está diante da absolutização dos comportamentos humanos.

A lei do pecado não enxerga as consequências na vida das pessoas. Ela se impõe sem pensar na vida dos indivíduos. Ainda de acordo com os pensamentos do Papa, Comblin (2000) diz que Jesus rejeitou a ideia de seguir um sistema econômico sem atender às pessoas e submeter-se a uma ilusão. Somente a liberdade salva. Segundo ele, os autores reconhecem que o modelo faz vítimas e dizem que é um fenômeno transitório. Alegam que não se pode chegar à meta sem que haja vítimas. São sacrifícios inevitáveis.

6-   A crítica à nova cultura imposta: “a cultura neoliberal”

Segundo Reis (2007) os conceitos de cultura adotados podem variar de um país para o outro. Para ela, se já é difícil definir o que é cultura dentro de um país, fazer todos adotarem uma mesma definição não se mostra viável, afinal, suas repercussões sobre o que se reconhece como valores simbólicos e econômicos da produção cultural de um país é enorme. A autora mostra que, para alguns, equipamentos eletrônicos como DVD e televisão são considerados parte do setor cultural, enquanto que outros incluem educação e meio ambiente.

Comblin (2000) questiona: “O que é que se pode considerar como produto do neoliberalismo na cultura?” A nova cultura, diz ele, está muito condicionada pelas novas tecnologias: informática, eletrônica, comunicações. As novas tecnologias favorecem imensamente uma cultura de massa.

Na sociedade neoliberal de hoje todos os meios de comunicação fazem, se cessar, a propaganda da ideologia e do sistema. “Os noticiários anunciam vitórias e glorificam os economistas heróicos que levam o mundo à prosperidade […]. É o que se chama o pensamento único. Quem não adere a ele fica marginalizado […]. A cultura é o pensamento único” (COMBLIN, 2000, pg. 132).

Uma critica dirige-se à comercialização da cultura. O autor diz estar havendo uma ofensiva contra o Estado e tudo o que é público, concretizada pelas privatizações. Para ele, está desaparecendo a “cultura geral” e o ensino das matérias que antigamente tinham o titulo de “humanidades”: filosofia, literatura, línguas clássicas, língua literária materna. Insiste-se na integração do ensino e da educação na economia. As empresas querem que se lhes forneça empregados bem preparados e condicionados para se integrarem na estrutura sem discussão e sem resistência. As próprias ciências são ensinadas como dogmas definidos e não como métodos críticos de pesquisa.

Uma vez comercializada, a cultura é vista como produto, mercadoria. A cultura é fonte de lucro. As empresas produtoras de cultura praticam a concorrência capitalista. Passa a haver, então, poucas editoras, poucas produtoras de produtos musicas, quase todo o cinema concentradoem Hollywood. Para Comblin(2000), quase toda a cultura vendida hoje em dia no mundo inteiro é norte-americana, graças à força das empresas produtoras de cultura. Essas empresas só produzem o que mais se vende. De acordo com ele, o quantitativo substitui o qualitativo. Daí uma degradação da cultura popular. As culturas tradicionais não resistem à concorrência da cultura de massa muito mais barata. Grande parte da produção cultural é publicidade. Basta ver a TV, ouvir o rádio ou abrir os jornais. Todas as artes, todos os artistas, a maior parte dos intelectuais trabalham a serviço da publicidade: é o ramo que oferece mais empregos e melhores salários. Cultura é publicidade. A cultura torna-se a única cultura das massas. Afinal, o ponto culminante é fazer publicidade: neste momento ele ou ela ganha, torna-se rico ou rica. Para o autor, os estímulos mais fortes da publicidade são o sexo e a violência. Por isso ocupam um lugar tão predominante na cultura.

Na opinião do autor, as festas foram os grandes momentos do consumo. Houve tempos em que elas eram, antes de tudo, exibições de artes ou habilidades manuais ou intelectuais. Hoje em dia as festas reduzem-se ao consumo: comida, bebida, drogas e, sobretudo, o sexo, apontado pelo autor como uma forma de consumo. O que mais importa no consumo não é o conteúdo dos bens consumidos e sim o dinheiro que se gastou. É por isso que a mídia divulga média de compras nos shoppings como algo mais interessante que a preferência dos presentes, por exemplo.

Nas sociedades tradicionais o consumo era comunitário. As festas e os gastos eram comunitários e o consumo realizadoem comum. Asfestas eram atos comunitários e formadores de comunidade. A cultura vivia-se comunitariamente: música, arte, poesia, teatro popular, artesanato, comidas e bebidas eram bens comunitários. Todos participavam de alguma maneira. O capitalismo, porém, destrói a cultura comunitária e o capitalismo radical, que é o neoliberalismo, suprime radicalmente a cultura comunitária.

Comblin (2000) mostra que os atos culturais são cada vez mais assumidos por empresas. As pessoas consomem o que a foi determinado pela empresa patrocinadora e o que foi colocado a disposição por ela. De certa forma, todos os atos culturais tornam-se publicidade de empresas importantes. O Natal, por exemplo, é um grande ato publicitário. No parecer do autor, o individuo não tem o trabalho de escolher: a publicidade e a moda, que é filha da publicidade, já escolheram por ele. Ele diz que o sistema favorece o individualismo: cada um tem o seu carro, sua TV, sua casa, seu computador ou sua refeição. As pessoas procuram não depender de ninguém e escolher parceiros de acordo com as circunstâncias: parceiros de sexo, de viagem, concerto, teatro, almoço, jantar, esporte, terapia de grupo e assim por diante – sem compromisso e na medida em que se tira satisfação da presença do outro.

A familia dissolve-se, a comunidade local desaparece. Há boas relações na fábrica, na oficina, na loja, qualquer lugar de trabalho, mas sem compromisso. Quanto à comunidade nacional, no neoliberalismo aumenta a corrupção, a fraude e a sonegação de impostos. Já que o Estado fica desmoralizado, o cidadão se sente desligado dos deveres ou das obrigações de cidadania.

O neoliberalismo influi em todas as igrejas cristãs. O dinheiro adquire importância na religião numa sociedade movida por uma cultura neoliberal. Durante muito tempo, as igrejas viveram com apoio financeiro estrangeiro, porém esta fase está sendo superada. O autor diz, citando a Igreja Universal, que para ganhar dinheiro, a religião procura chamar a atenção da mídia através de fatos extraordinários.

7-   Considerações finais

Aculturação é um termo descrito pelos antropólogos norte-americanos, para tratar de reflexões sobre as mudanças que podem acontecer em uma sociedade diante de sua fusão com elementos externos. De acordo com o historiador francês Nathan Watchel, aculturação é todo fenômeno de interação social que resulta do contato entre duas culturas, e não somente da sobreposição de uma cultura a outra. Alfredo Bosi, em “Dialética da colonização” afirma que esse fenômeno provém do contato entre sociedades distintas e pode ocorrer em diferentes períodos históricos, dependendo apenas da existência do contato entre culturas diversas, constituindo-se, assim, um processo de sujeição social.

Segundo as idéias de Comblin (2000) foi isso que ocorreu com a América Latina. Os latinos foram “doutrinados a quererem o Primeiro Mundo”. Os elementos culturais passaram por uma “re-adaptação” e “se transformaram em mercadoria”. Agora servem como base para alimentar os cofres dos países ricos dominadores.

A maioria dos autores acredita que a aculturação é sempre um fenômeno de imposição cultural. Através da globalização a aculturação veio se tornando um dos aspectos fundamentais na sociedade. Pela proximidade a grandes culturas e rapidez de comunicação entre os diferentes países do globo, cada cultura está perdendo sua identificação cultural e social aderindo em parte a outras culturas. Um exemplo disso é a cultura ocidental similar em muitos países. Mesmo assim a aculturação não tira totalmente a identidade social de um povo.

8-   Referências

COMBLIN, José. Neoliberalismo: ideologia dominante na virada do século. São Paulo: Editora Vozes, 2000.

VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: os intelectuais, a política e o planejamento na teoria do subdesenvolvimento… São Paulo: EAESP/FGV/NPP – Núcleo de Pesquisas e Publicações, 2003. 152 p.

REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável: o caleidoscópio da cultura. São Paulo: Manole, 2007.

DAY, Edson. Históra Licenciatura. Aculturação. http://hid0141.blogspot.com/2011/04/aculturacao.html, acesso em 22 de maio de 2011.

CARTA, Gianni. Velho novo jornalismo. São Paulo: Códex, 2003.

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